Do Jornalista Sérgio Almeida no Jornal de Noticias.
"Projeto do editor e fotógrafo Sérgio Jacques"
"Em 1948, um ainda muito jovem Urbano Tavares Rodrigues rumou a Santiago de
Compostela, embrenhando-se numa atmosfera “negra e cruel, bárbara e estranhamente
bela”, como então escreveu no “Diário de Notícias”. As crónicas, devidamente ampliadas,
foram publicadas no ano seguinte sob a forma de livro, o primeiro das largas dezenas que
publicou nas seis décadas seguintes. Com o título “Santiago de Compostela (Quadros e
sugestões da Galiza)”, o livro há muito que está esgotado e apenas pode ser encontrado
nos alfarrabistas. Foi num deles que o fotógrafo e editor Sérgio Jacques o adquiriu,
encontrando o elemento que faltava para um projeto há muito tinha em mente: publicar
um livro que reunisse fotos captadas ao longo dos anos em Compostela, acrescidas de
um enquadramento literário. “Fiquei rendido de imediato ao texto. A cidade continua
muito parecida, sob vários prismas”, diz Jacques, que não tardou a obter autorização dos
familiares do escritor para publicar excertos da obra. A edição, em regime de autor,
chegou às livrarias há poucos meses e deu também origem a um projeto paralelo: uma
exposição fotográfica, “Sonhar a palavra liberdade”, que se encontra em itinerância.
Depois da Bienal de Gaia e Torre do Tombo, a mostra vai poder ser vista a partir da próxima
semana na Biblioteca de Évora, onde permanecerá até janeiro. Seguem-se, ao longo de
2024, Moura e um périplo pelos centros culturais portugueses no país vizinho."
6 Dezembro 2023
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Soares Novais
Celebrar Urbano Tavares Rodrigues com textos (quase) esquecidos
Urbano Tavares Rodrigues nasceu há 100 anos, a 6 de Dezembro de 1923.
Há 75 anos, em 1948, Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013) escreveu sobre “As Festas do Apóstolo”.
Tinha 25 anos de idade e peregrinou por Santiago de Compostela, ao serviço do Diário de Notícias (DN).
As reportagens que então assinou para o DN foram depois publicadas em livro, que Urbano colocou na
estante da memória. Agora, o fotógrafo Sérgio Jacques e o escritor Carlos Quiroga resgatam-no do seu
longo cativeiro com a publicação de “Santiago de Compostela”. Reler o que então escreveu é uma boa
forma de celebrar os 100 anos do seu nascimento – em 6 de Dezembro de 1923 – de um dos nomes
maiores da nossa Literatura.
Em 1948, Espanha e Portugal estavam sob o jugo de dois tiranos: Francisco Franco (1892-1975) e
António Oliveira Salazar (1889-1970). Apesar da sua juventude, Urbano Tavares Rodrigues aportou a
Santiago de Compostela consciente do terreno armadilhado que pisava. Provam-no as reportagens que
assinou no DN, tal foi a genialidade com que retratou “As peregrinações! Todo o passado de Santiago!
Toda a Idade Média ‘essa época enorme e delicada’… As peregrinações! Cheias de fé e padecimentos, de
humilhações, de caridade… e de violências também, de roubos, de crimes, até nas igrejas… Que
maravilhosa sugestão a das peregrinações medievais a Santiago de Compostela!…”
O livro que resultou das reportagens de Urbano Tavares Rodrigues tem 50 páginas e um título
enganador: “Santiago de Compostela (Quadros e Sugestões da Galiza)”, com edição da Empresa Nacional
de Publicidade, em 1949. Assim titulado, o livrinho pode ser visto como um roteiro – mais um! – sobre a
actual capital da Região Autónoma da Galiza. Puro engano. A prosa de que é recheado dá-nos conta da
miséria que povoa a cidade, bem como da relação cúmplice entre o poder despótico de Franco e a Igreja
Católica. Atente-se no que diz Carlos Quiroga, escritor e filólogo galego, a quem Sérgio Jacques convidou
para reflectir sobre o que Urbano escreveu: “[…] E, no entanto, não conheço nenhum artefacto literário
tão radioso que fale deles nos alicerces de Compostela, circunstanciada em 1948 pelo acaso diarístico do
momento: uma Compostela secularmente gloriosa e cosmopolita hoje, mas levantada do chão à glória
pela religião e o fascismo, sobre violência e mortos…” Lembro que a Guerra Civil se desenrolou entre
1936 e 1939.
O Ano Jubilar Compostelano1 de 1948 contou com a presença de Francisco Franco, que o denominou
“Primeiro Ano Santo Triunfal”. Um ardil propagandístico do ditador, que Urbano Tavares Rodrigues
descreve, assim, na página 18 do seu livro: “A entrada de Franco a toque de clarim, acompanhado de
esposa e filha, com repique de todos os sinos da cidade e delírios de palmas, a entrada divinizada com
botafumeiro e palavras de responsório, ‘El Señor lo ha elegido y lo ha colocado em alto sobre los reyes
de la tierra’ […]”
Foi a leitura de “Santiago de Compostela (Quadros e Sugestões da Galiza)” que levou Sérgio Jacques a
produzir e a editar o livro apresentado na última sexta-feira (13 de Outubro de 2023), na livraria da
Unicepe – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto. Um projecto que “só foi possível graças à
cumplicidade da Isabel Fraga, da Sofia Fraga e da Catarina Almeida”, como sublinhou o autor. Sobre as
fotografias do livro, Carlos Quiroga refere que Sérgio Jacques “foi, na cidade cosmopolita de agora, à
procura de um tempo atapetado em semiobscuridades, aquele por onde passou o espelho do
homenageado, 75 anos antes.”
O livro de Sérgio Jacques e a releitura da obra de Urbano Tavares Rodrigues são (mais) dois bons motivos
para celebrarmos os 100 anos do nascimento deste “senhor da Literatura”, que teve vida longa, singular
e solidária. Com grandes causas e pequenas coisas. Compete-nos fazer com que “perdure” através dos
livros que escreveu para “não morrer completamente”, como confessadamente desejou, em entrevista
ao Jornal de Letras, Artes e Ideias (JL), no ano de 1993. Tavares Rodrigues orgulhava-se de, “entre ventos
e tempestades, interrogações, incertezas, angústias” se ter mantido sempre fiel ao mais profundo de si
próprio. Temos de agradecer-lhe a sua obra, a sua coragem e o seu exemplo.
Notas:
1 – Para Carlos Quiroga, o Ano Jubilar Compostelano de 1948 representou “a restauração publicitária de
um ditador que o consolidou e utilizou como eficiente instrumento de subjugação”. O escritor e
académico galego também não comunga da narrativa sobre “a descoberta de um sepulcro que um
antigo bispo aponta de imediato como sendo de um apóstolo morto na Palestina do século I,
supostamente aparecido, primeiro, em Jerusalém e, vários séculos depois, noutros muitos lugares da
Europa”. Quiroga considera ainda que “a candidatura de Compostela acabou por ganhar vantagem
depois de 1878, com caricatos fundamentos cientificos, sobre os achados noutras partes”.
2 – Isabel Fraga e Sofia Fraga são, respectivamente, filha e neta de Urbano Tavares Rodrigues. A escritora
Isabel Fraga é filha da também escritora Maria Judite de Carvalho, primeira esposa de Urbano. Em 2006,
nasceu o segundo filho: António Urbano, fruto do seu casamento com a psiquiatra Ana Maria Santos.
19/10/2023
Soares Novais
Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu
voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e
Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O
Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção
“Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info"
e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de
Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital
brasileira “Nós Fora dos Eixos”.